Por que os “males necessários” merecem um lugar na carteira
Algumas empresas não recebem aplausos, mas mantêm a cidade funcionando. Empresas de gestão de resíduos, tratamento de efluentes e fornecimento de insumos químicos para a indústria prestam serviços que a sociedade simplesmente não pode prescindir. Vamos aos fatos: demanda inelástica, contratos longos e barreiras regulatórias elevadas criam um perfil defensivo interessante para investidores conservadores a moderados.
Isso significa que, em ressacas econômicas, a receita tende a resistir melhor do que em setores cíclicos. A coleta de lixo e o tratamento de esgoto são necessidades básicas; prefeituras e indústrias não cortam esses gastos facilmente. Quem opera essas atividades frequentemente firma contratos de longo prazo com reajustes e cláusulas de indexação. Em outras palavras, previsibilidade.
Barreiras de entrada são reais. Licenças ambientais do IBAMA e normas do CONAMA, custos de capital para instalações de disposição e tratamento, além da complexidade operacional, tornam difícil que um novo concorrente surja rapidamente. Isso cria moats econômicos para players estabelecidos, como Waste Management (WM), Republic Services (RSG) e Waste Connections (WCN) no exterior. No Brasil, empresas como a Ambipar exemplificam como operadoras podem aliar especialização técnica e escala para disputar contratos públicos e privados.
Alta dependência de infraestrutura crítica também pesa a favor. Esses serviços compõem a base operacional das cidades e da indústria. Quem controla rotas de coleta, centros de transferência e instalações de tratamento tem poder de barganha e capacidade de ajustar oferta conforme demanda. Além disso, a tecnologia tem reduzido custos: otimização de rotas, monitoramento remoto e automação melhoram margens e serviço ao cliente.
E os clientes ficam. Os custos de troca são altos. Indústrias químicas, siderúrgicas ou concessionárias municipais raramente trocam de fornecedor sem razão forte. Contratos com cláusulas de performance e multas por quebra mantêm níveis de retenção elevados. Em termos práticos, isso entrega maior previsibilidade de fluxo de caixa para investidores que buscam reduzir volatilidade na carteira.
A questão que surge é: quais riscos existem? Há riscos específicos e relevantes. Passivos ambientais podem aparecer de forma inesperada — contaminações antigas, multas ou necessidades de remediação — e gerar custos expressivos. Mudanças regulatórias podem elevar requisitos operacionais. Oposição local a novas instalações (NIMBY) também atrasa projetos e gera litigiosidade. Por fim, volatilidade no preço do combustível e de insumos pode pressionar margens.
Esses riscos, porém, são contrabalançados por vantagens estruturais. A crescente urbanização, o crescimento populacional e o fortalecimento das normas ambientais — no Brasil e globalmente — tendem a sustentar demanda por serviços de gestão de resíduos e remediação. Licitações municipais e parcerias público-privadas (PPP) continuam a abrir janelas de oportunidade para expansão via contratos de longo prazo.
Como decorar essa tese para uma carteira? Pense nela como um segmento defensivo: posições que reduzem a sensibilidade da carteira a choques cíclicos. Não é uma estratégia livre de riscos e não promete retornos garantidos. Mas empresas bem selecionadas no setor oferecem receitas estáveis, proteção regulatória relativa e potencial de beneficiamento frente a megatendências ambientais.
Por fim, um aviso prático: avalie passivos ambientais, estrutura de contratos e exposição a mudanças regulatórias antes de investir. A diversificação e a análise de governance são fundamentais. Quer proteger o portfólio sem abrir mão de crescimento estrutural? Os “males necessários” podem não ser populares, mas podem ser úteis justamente quando ouvimos menos aplausos — em momentos de incerteza.
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