A aposta do Google e seus sinais ao mercado
O anúncio do primeiro PPA — Power Purchase Agreement — corporativo para energia proveniente de um projeto de fusão, assinado entre o Google e a Commonwealth Fusion Systems, muda a narrativa. Não é mais apenas laboratório e papel; é um contrato comercial. Isso não garante sucesso, mas valida a ideia de que a fusão está saindo da esfera experimental para uma oportunidade com desdobramentos industriais e financeiros.
Vamos aos fatos. A Commonwealth Fusion Systems pretende demonstrar ganho líquido de energia com o reator SPARC até 2025 e mira implantação comercial com reatores ARC na década de 2030. Se esses marcos se confirmarem, abrirá uma janela de investimentos ao longo de décadas, envolvendo não só os desenvolvedores de reatores, mas uma vasta cadeia de fornecedores: materiais especializados, manufatura de precisão, engenharia pesada e modernização da rede elétrica.
Por que isso importa para investidores brasileiros? Nossa matriz é majoritariamente hidrelétrica. Ainda assim, desafios de variabilidade climática e demanda crescente colocam sobre a mesa a necessidade de diversificação e segurança energética. A fusão oferece, em tese, energia de base limpa e com alta densidade energética, algo desejável para grandes consumidores e para metas de descarbonização corporativa e governamental. A questão que surge é: como participar desse ciclo de investimentos sem se expor a riscos desnecessários?
Primeiro, reconhecer o horizonte. O desenvolvimento da fusão é um processo de várias décadas, com fases claras: pesquisa e desenvolvimento, projeto de demonstração, certificação regulatória e implantação comercial em escala. Investimentos relevantes provavelmente ocorrerão de forma escalonada, e retornos só se materializarão ao longo do tempo. Isso exige paciência e uma carteira adequada ao risco.
Segundo, olhar para a cadeia de suprimentos. A construção de usinas de fusão demandará componentes e serviços de alto conteúdo tecnológico. Empresas que atuam com materiais supercondutores, manufatura de precisão, integração de sistemas e modernização de redes elétricas são candidatas naturais para capturar valor. Também faz sentido observar atores já envolvidos com tecnologias nucleares avançadas. Exemplos internacionais como NuScale Power, Oklo e Centrus Energy ilustram perfis de empresas que podem se beneficiar do ambiente favorável a tecnologias nucleares, ainda que trabalhem com fissão.
Terceiro, pesar os riscos. Os desafios técnicos permanecem substanciais: manter uma reação de fusão controlada e obter ganho energético repetível não é trivial. Há também incertezas regulatórias, com processos de licenciamento e requisitos de segurança que podem ser longos. Por fim, o risco de custos é real. Mesmo tecnicamente viável, a fusão precisará competir em preço com solar, eólica e soluções de armazenamento. Alguns projetos podem falhar, com impactos sobre fornecedores e integradores.
A validação corporativa, como o PPA do Google, vem acompanhada de outras forças que podem acelerar a curva de adoção: aumento do financiamento privado, programas públicos de apoio à P&D e pressão por metas de descarbonização. Isso pode reduzir barreiras comerciais e criar mercados para as primeiras usinas. Mas atenção: a aceleração é possível, não certa.
O investidor prudente deve, portanto, adotar uma abordagem seletiva. Prefira exposição a fornecedores e infraestruturas associadas, em vez de apostas diretas e concentradas em um único desenvolvedor de reator. Em mercados como o brasileiro, questões adicionais de licenciamento ambiental e coordenação com agentes como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) serão determinantes para integrar novos ativos.
A oportunidade é real e de longo prazo. Alto risco, sim. Potencial de recompensa, também. Não há garantias. Este texto não constitui orientação personalizada de investimento. Investidores devem avaliar seus objetivos, horizonte e tolerância ao risco antes de agir. Para quem busca exposição ao tema, a estratégia mais sensata passa por diversificação, foco em fornecedores de cadeia e vigilância sobre marcos técnicos e regulatórios.
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