O grande êxodo das cadeias de suprimentos: por que o 'friend-shoring' está remodelando o comércio global
As empresas e governos redescobriram uma variável que esteve em segundo plano durante décadas: segurança. Vamos aos fatos. O modelo dominante — terceirizar para o menor custo unitário, onde a mão de obra é mais barata — mostrou fragilidades durante a pandemia e nas recentes tensões geopolíticas. Isso significa que o critério do preço vem perdendo espaço para a prioridade de manter cadeias de suprimentos resilientes e alinhadas a parceiros políticos confiáveis. A questão que surge é: como investir nessa nova arquitetura global?
A resposta passa pelo chamado friend-shoring, que consiste em realocar produção para países aliados e politicamente estáveis. Governos têm oferecido incentivos — pense no CHIPS Act dos EUA, que subsidia semicondutores para trazer fábricas de volta ao território norte-americano — e corporações ajustam estratégias para reduzir riscos sistêmicos. Para investidores brasileiros, é útil entender que políticas como o CHIPS Act funcionam como catalisadores de capital; programas semelhantes, ainda que em escala menor, podem aparecer em outras regiões e até em iniciativas regionais no Brasil.
Isso cria um mercado endereçável amplo. Por quê? Porque mover produção não é só transferir máquinas. Exige fábrica nova ou modernizada, sistemas de automação para conter custos trabalhistas, software de controle, e redes logísticas distribuídas para conectar plantas a mercados consumidores. Aqui entram os chamados fornecedores de "picks and shovels": empresas que vendem automação, robótica, IA e serviços logísticos. Exemplos claros são Symbotic (SYM), que automatiza armazéns com IA; Rockwell Automation (ROK), referência em controle industrial e transformação digital; e GXO Logistics (GXO), especialista em terceirização de operações de distribuição.
A oportunidade é temática e de longo prazo. Investir em fundos ou carteiras que exponham ativos desses setores captura o ciclo de alocação de capital que deve durar anos. A migração para friend-shoring favorece construtoras de plantas, fornecedores de sistemas e operadores logísticos que ampliam capacidade. Para o investidor, fundos temáticos — como o hipotético "Friend-Shoring Fund" — podem reunir esses nomes de forma diversificada.
Mas nem tudo é linha reta. Os desafios são reais e significativos. Primeiro, o custo inicial é alto. Construir ou modernizar fábricas e redes logísticas pode demandar centenas de milhões de dólares; convertido de forma ilustrativa, R$ 1 bi podem ser apenas o começo para projetos industriais de escala. Segundo, há risco de execução: prazos, adaptação tecnológica e integração de processos são pontos críticos e propensos a falhas. Terceiro, o cenário geopolítico pode mudar. A reaproximação entre nações ou um abrandamento de tensões reduziria a urgência, ao passo que um conflito agudo poderia interromper fluxos e danificar infraestrutura.
Riscos macroeconômicos também contam. Juros mais altos e recessão podem adiar investimentos de CAPEX pesado. Portanto, a iniciativa exige horizonte longo e tolerância a volatilidade. Não é uma aposta para retorno rápido.
Como navegar? Considere exposição temática diversificada, preferência por empresas com histórico de execução e contratos de longo prazo, e atenção a catalisadores como programas públicos que mitiguem risco. Para investidores no Brasil, plataformas locais e corretoras oferecem acesso a ADRs e ETFs que incluem empresas de automação e logística. E lembre: isto não é recomendação personalizada. Avalie seu perfil e horizonte.
O friend-shoring não é apenas uma moda. É uma reconfiguração estrutural do comércio global, com vencedores previsíveis: quem fabrica a tecnologia, quem monta a infraestrutura e quem opera a logística. A pergunta que fica é simples e implacável: você está posicionado para surfar essa mudança que deve levar anos?