A indústria alimentícia em transição
A decisão da Hershey de eliminar corantes sintéticos até 2027 é mais do que um gesto de marketing. É um sinal de mudança estrutural num setor que responde a consumidores mais jovens, a maior fiscalização regulatória e a pressões por transparência. A revolução do rótulo limpo: por que os gigantes da indústria alimentícia estão abandonando os corantes sintéticos sintetiza essa tendência: marcas herdadas reformatam portfólios para ingredientes mais reconhecíveis e naturais.
Vamos aos fatos. Millennials e a geração Z mostram preferência clara por produtos com ingredientes que consigam identificar. Isso, combinado com maior atenção de órgãos como a ANVISA no Brasil e normas mais rígidas na União Europeia, cria um ambiente no qual alegações de 'clean label' deixam de ser nicho para virar padrão competitivo. Ação pública com prazos definidos, como o da Hershey, gera uma janela previsível de demanda por anos. E onde há demanda previsível, surgem oportunidades de investimento.
A questão que surge é: em quê investir? A lógica da cadeia sugere que os ganhos mais consistentes tendem a aparecer nos fornecedores especializados. Empresas que fabricam corantes naturais, aromas e texturizantes, e aquelas que oferecem serviços de verificação de rótulos, entram numa posição de vantagem. Fornecedores com conhecimento técnico conseguem oferecer soluções estáveis — que preservam cor, sabor e vida útil — e, por isso, podem cobrar prêmios e sustentar margens superiores. Exemplos relevantes no mercado global incluem Sensient, IFF e Ingredion, todas atuando com portfólios adaptáveis ao mercado brasileiro.
Por que isso importa para investidores brasileiros? Porque a transição não é só tecnológica. É logística e agrícola. Grande parte das matérias-primas para corantes naturais vem de safras sujeitas a variações climáticas. No hemisfério sul, secas e janelas de colheita influenciam oferta e preço. Isso aumenta a volatilidade e cria necessidades de gestão de risco: estoques, contratos de fornecimento e diversificação geográfica tornam-se diferenciais competitivos.
Reformulação é cara e complexa. Alterar uma fórmula pode afetar cor, aroma, textura e até a aceitação do consumidor. Erros podem reduzir vendas e pressionar margens das marcas finais, abrindo oportunidades para fornecedores que entreguem soluções testadas. Mas também implica risco: se um fornecedor especializado falha em escala ou se o custo das matérias-primas dispara, o efeito se propaga pela cadeia.
Há ainda um segmento de serviços pouco lembrado: verificação e certificação. Consumidor exige confiança. Selos, testes independentes e rastreabilidade digital ganham valor. Empresas que prestam esses serviços ajudam a monetizar a transição, reduzindo o risco reputacional das marcas e aumentando a disposição do varejo em conceder prateleira e preço premium.
O investidor deve, portanto, fazer seleção criteriosa. Procure fornecedores com know-how em estabilização de pigmentos e em protocolos de produção que minimizem variação de safra. Avalie exposição a commodities agrícolas e a capacidade de repassar custos. Considere também a presença local ou a logística adaptada ao Brasil e à América Latina, onde sazonalidade e infraestrutura impactam mais que em mercados do Hemisfério Norte.
Riscos regulatórios e de aceitação do consumidor existem e não podem ser ignorados. Reformulações podem ser bem-sucedidas, mas não há garantias de que vão melhorar receitas ou margens de todas as marcas. Investir na cadeia de fornecimento — em vez de nas marcas finais — parece oferecer um perfil de retorno mais previsível, mas exige gestão ativa de risco.
Conclusão: a tendência 'clean label' deve continuar a empurrar demanda por corantes e aromas naturais, além de serviços de verificação, criando nichos de crescimento para fornecedores especializados. Para investidores, a oportunidade existe, com potencial de prêmio de margem. Mas ela vem acompanhada de riscos operacionais e de suprimento que pedem seleção criteriosa e atenção às condições locais, como safras e regulação. Nada é certo, mas a mudança estrutural está em curso.